sábado, 10 de abril de 2010

O Gênese do Sangue - Parte V (Final)

O gritou ecoou pela noite, fazendo algumas corujas que por ali estavam voar para longe. Foi um grito horroroso, saído do fundo de Pierre. Jacques ouvia um barulho semelhante ao de lâminas, no mínimo cem delas, cortando profundamente a carne. Os gritos do Capitão ficavam mais profundos a cada segundo. Apesar da obstrução, Jacques teve a certeza de ver as pequenas lâminas cortando Pierre, que caiu de joelhos no chão. Novamente, ouviu a voz dele dizer: “Me desculpa Jeanne! Eu não quis! Eu não quis! Eu nã.. AAAAAHHHH!” E as lâminas cortaram-no mais uma vez. Então viu as pequenas lâminas reunindo-se e tomando a forma de uma gigantesca clava. Ouviu Jeanne dizer “Últimas palavras?” e Pierre responder “Me... Perdoe.”
Jacques não teve estômago para ver o que ocorreu a seguir. Apenas ouviu o som de gritos, ossos e carne sendo esmagados violentamente. Então, virou-se e o cristal que bloqueava a entrada, sumiu. Juntou coragem dentro de si e adentrou a cabana. A primeira coisa que viu foi uma massa disforme, coberta por um manto viscoso e vermelho, que julgou ser Pierre, agora morto. Viu também, por ali perto, o corpo seco daquele que ficou levitando, agora num ângulo incomum, talvez em função dos seus ossos quebrados. Evitou olhar para o rosto dele, com medo de ver uma expressão de profundo terror e acabar traumatizando-se mais. Foi quando avistou Jeanne, caída. Correu até ela e a levantou delicadamente pela cabeça com apenas uma mão. Olhou para o rosto dela e viu que as marcas retrocediam, lentamente para dentro das fendas oculares, assim como a lágrima de sangue, que retornava também. Os olhos, lentamente voltavam a cor azul original. Jeanne soltou um suspiro cansado e abriu os olhos com muita dificuldade e viu um embaçado Jacques segurando-a

- Amor... Eu te pedi para...
- Xiiiu – Jacques disse, colocando seu dedo indicador sobre os macios lábios rosados de Jeanne – Não diga nada, meu anjo. Não podia ir embora sem dizer meu adeus...
- Jacques...
- Você é única mulher que eu tive certeza que amei. Você é a mãe da minha filha. Seria, no mínimo, falta de coração da minha parte deixar você aqui...

Jeanne fitou os olhos de Jacques, que transpareciam o amor mais puro que já vira antes. O rapaz, então, abraçou forte a sua esposa. Seu braço a envolveu de forma calorosa e terna e então, colocou a mão na nuca de sua mulher. Sentiu os lisos cabelos negros escorrerem por entre os dedos e a beijou. Foi um beijo profundo, apaixonado, forte e caloroso. No fundo, queria que sua energia vital passasse pelos lábios encontrados e aquecesse o agora corpo frio de Jeanne. Mas no fundo, Jacques sabia que isso não aconteceria. Chorando, pressionou a cabeça dela contra seu peitoral, enquanto a acariciava. Sentiu uma dor profunda em seu coração, como se mil agulhas o perfurassem incessantemente. Haviam lhe tirado o amor. Haviam lhe tirado a felicidade. Sua vida foi junto com Jeanne.
Jacques se levantou. Secou as lágrimas e pegou a vela, que misteriosamente ainda estava acessa. Tirou um pedaço de madeira do chão e pôs fogo nele e após isso, flamou o interior. Saiu da cabana, ainda com a madeira acesa em mãos e fez o mesmo do lado de fora. Em questão de pouco tempo, as chamas transformaram o casebre numa fogueira gigante e Jacques viu, de fato, o amor da sua vida ir embora. Deu um profundo suspiro, sugando todo o ar morno da manhã para seus pulmões, tentando aceitar o fato de que ela não voltaria nunca mais e se foi, caminhando.
Enquanto andava pela única estrada perto dali, olhou para Marie, que apesar de tudo, ainda dormia feito um anjo. Jacques sorriu para sua filha, lhe deu um beijo na testa e disse:


- Marie... Marie Jeanne. Esse será seu nome. Uma homenagem à mulher mais forte, mais linda e mais amorosa que um ser poderia conhecer.

Virou-se para a cabana, coberta pelas chamas. Fitou aquela dança hipnótica que elas faziam e sentiu que seu coração apertar. Ao mesmo tempo, o vento silvava uma única nota, de forma gostosa, nos ouvidos de Jacques, que virou-se instintivamente para o lado de onde vinha aquela brisa. Agora, pôde notar onde estava. Era uma planície. A grama verde começava a cintilar com os primeiros raios de sol que eram refletidos pelas pequenas gotas depositadas lá. Algumas poucas árvores pingavam uma noite inteira de chuva, para alegria de alguns pássaros que por voavam perto das copas.
Enquanto ficava observando a paradoxal cena, Jacques sentiu um movimento nos seus braços. Olhou na direção do movimento e viu que sua filha estava acordando. A pequena Marie, aquela pequenina guerreira que só chorou quando nasceu, esboçou um sorriso, mas desistiu na metade do caminho. "Sua espertinha", Jacques sorriu ao pensar isso.
Aquela situação trouxe Jeanne à memória, que por sua vez, fez o homem lembrar-se de uma frase dita por ela nesse dia tão incomum.


“A ligação de nosso sangue é eterna.”

E disse, para si mesmo: “Sempre juntos”.

Jacques rumou pela estrada que havia ali perto, em direção do Sol, na busca pela paz. Isso não parecia tão distante agora. Agora, só havia sobrado ele e sua filha. Ninguém mais poderia o atrapalhar.

Estavam enfim, livres de problemas...



Ou não.








*****FIM DO GÊNESE*****

Um comentário:

Anônimo disse...

Não esperaria um final diferente, se ela ficasse viva não seria uma historia tão boa. Você soube usar de todos os pontos para atrair e segurar as pessoas para a leitura. Parabéns Leon. ;D
Adorei.