- Ora... Agora ele quer piedade – Ela voltou com a cabeça ao normal – DEPOIS DE MALDITOS QUINZE ANOS NOS PERSEGUINDO, VOCÊ QUER QUE EU TENHA PENA DELE, SEU CÃO IMUNDO?! – A voz, mais grave, gutural e volumosa fez até o último pelo de Pierre se arrepiar – Primeiro... vou acabar com esse maldito... E você será o próximo, Pierre..
Jacques sabia o que viria agora. Ele se virou para não ver a cena que seguir, fechando seus olhos com força. Depois, tampou os delicados ouvidos da pequena Marie com suas mãos, numa tentativa de isolá-la desse cruel fato. Pierre olhou para os lados, assustado e reparou que o outro guarda já havia fugido também. Estava sozinho, agora. Então voltou sua visão ao soldado, que estava ficando pálido, mas ainda se debatia, embora de forma mais fraca. A mão feita de sangue apertou mais a garganta do pobre homem. A tosse seca e sem ar do homem fazia Jacques se sentir cada vez pior. Pierre começou a notar que o lugar começou a ficar mais quente. O suor já começava a escorrer pela testa quando ele viu algo estranho... Se é que fosse possível ficar mais. Havia vapor saindo da boca do homem suspenso no ar. À primeira instância, o vapor ainda era branco, como o de água. Mas, após alguns segundos, a fumaça começou a trocar de tonalidade, passando por um rosa claro, que ficava mais e mais concentrado, até tornar-se rubro... Como o sangue. Também era visível que o vapor ficou mais denso, encorpado, parecendo um macabro fantasma vermelho dançando e circulando suavemente. A cada instante que passava, o vapor começava a sair de outros orifícios do guarda: fendas dos olhos, narinas, ouvidos e poros da pele. A cada segundo de extração do vapor, o homem urrava de dor. Era um berro tenebroso, aterrorizado, como se percebesse que sua vida estava saindo por cada fenda de seu corpo. A cada momento que seus berros ecoavam dolorosamente nos ouvidos daqueles que ouviam, podia-se perceber que as forças do rapaz, que já eram poucas, estavam esvaindo junto com aquela fumaça vermelha. Em poucos minutos, tudo que restou foi o calor, a nuvem rubra, o silêncio e um corpo seco, flutuando.
Pierre observou cada minuto de sofrimento do soldado, atônito. O Inferno era pouco perto do que ele acabou de ver. A nuvem fazia um movimento circular sem sair do lugar, como se estivesse viva. Jacques, virou-se, e viu o que restara do pobre soldado, que agora jazia inanimado no ar.
- E-e-ela... Ela tirou a alma dele? – Pierre perguntou, gaguejando.
- Não... – Jacques falou baixo – É o sangue dele.
Pierre engoliu em seco. Quis gritar como nunca gritou na sua vida inteira, mas ficou sem fôlego pra isso. O corpo, seco, que flutuava à frente deles, moveu-se para o alto. Subiu mais um metro e foi arremessado com força total ao chão. O impacto foi violento, fazendo o assoalho da cabana quebrar, assim como os ossos do homem morto, fazendo um uníssono ‘craque’. Jeanne, que ficou calada durante toda a cena se virou para Jacques, e com sua voz normal disse:
- Amor... Preciso que corra daqui... Leve nossa Marie pra longe disso tudo. Ela não pode viver essa vida que eu vivi, ela não tem que descobrir essa maldição do nosso sangue. Esteja sempre com ela e por ela... É meu último pedido...
Jacques chorou. Olhou para sua mulher e teve a certeza que era ela, de fato. Era seu último desejo... Por mais que não quisesse realizá-lo, Jacques precisava fazer isso. Secou suas lágrimas com suas surradas e encardidas luvas e acenou positivamente com a cabeça. Quando preparou-se para ir, ela disse, novamente.
- Eu... Eu irei acabar com ele e assim que isso acontece, irei desfalecer. Minhas forças estão no final – Ela engasgou como se estivesse chorando - Quero que você queime essa cabana. Assim, os Ventos do Sul levarão para longe todo o passado... Será silêncio. Sentirás a minha falta, amado. Tenho noção disso... Mas, não se esqueça que a ligação de nosso sangue é eterna. Não importa para onde minha alma seguirá, estaremos juntos...
- Sempre juntos – Jacques concluiu, chorando muito – Tem que ser assim? Achei que havia encontrado a felicidade...
- Você a encontrou, meu amor. Assim como a trouxe para mim também, na forma de uma linda menininha. Você ainda a tem, em seus braços. Fuja daqui e viva para contar a minha história para nossa filha... – Ela fechou os olhos, como se invocasse seu demônio interior outra vez
Jacques quis poder abraçar e beijar, pela última vez, sua esposa. Sem poder fazer isso, apenas beijou sua própria mão e soprou o beijo para Jeanne, que fechou os olhos prazerosamente, como se uma brisa gostosa do verão atingisse seu rosto... E sorriu.
Ele correu então, segurando muito firme sua filha, para fora da cabana e ficou do lado de fora. Pierre que observara aquilo quieto, tentou sair também. Mas, ele viu parte da nuvem vermelha se desprender numa pequena porção e viajar até a sua frente numa velocidade impressionante. Como num passe de mágica, a fumaça transformou se num bloco enorme de um cristal vermelho semitransparente no ar, que caiu na frente de Pierre, bloqueando a saída. Ele deu um salto pra trás, esquivando-se de um possível esmagamento e virou-se com um olhar furioso para Jeanne, como se quisesse matá-la, mas sentiu toda sua coragem e raiva evaporarem quando viu Jeanne, agora de pé. Seus cabelos estavam esvoaçando e a porção de nuvem rubra que restou, flutuava a seu lado.
Jacques não conseguiu ver o que aconteceu pelo cristal. A imagem estava turva e distorcida, em função do cristal que estava no portal da cabana. Mas, foi possível ouvir um último diálogo entre Jeanne e Pierre.
- Por favor, Jeanne... Não me...
- CALE A BOCA – a voz era gutural, outra vez – Você merece sofrer por longos quinze anos. Você tem que sentir a dor que eu senti de correr, de não ter um lar. De não ter paz.
- Eu só segui ordens...
- JACQUES ERA SEU AMIGO, PIERRE! Você teve a escolha de não nos perseguir. Mas, em nome de uma idiota ganância, preferiu nos trair. Contou meu segredo para a Coroa... Fez com que a Igreja e a Realeza nos caçassem como raposas. Transformou nossa vida num inferno real! Agora, Pierre, você irá sofrer em quinze segundos TUDO que eu sofri em quinze anos.
- Não, Jeanne... Não! Não! Nããããooooooo!
sábado, 10 de abril de 2010
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Um comentário:
queee issso... que doidera! Curti de mais Leon... parabéns! ^^
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